Voltei ao hotel para continuar a escrever. Reli o texto e achei que precisava falar muito mais, mas ao mesmo tempo acho que agora eu seria muito mais descritivo do que emocional. Portanto, resolvi manter apenas aquele texto inicial que abaixo transcrevo. No livro que publicarei sobre a viagem, lá sim vou detalhar muito do que ficou fora do blog. Acabei a viagem alguns dias antes do planejado, pelo menos quatro dias. Nos dias que me separam da minha volta ao Brasil, dia 1 de agosto, resolvi explorar o interior da tuquia, agora sem bike. É da Capadócia que escrevo essa introdução
Para quem acompanhou a viagem, espero que que os relatos tenham sido interessantes e possam ter motivado alguém a não deixar de perseguir seus sonhos. Aos amigos e empresas que me apoiaram meus sinceros agradecimentos. Aqui vai meu relato final.
Concretizar essa viagem foi a realização de um sonho. Um sonho é sonho até o momento no qual você decide torná-lo realidade Nesse momento ele vira um projeto e como tal precisa ser tratado para ser bem sucedido.
Eu sou um homem prático e objetivo, principalmente para tomar decisões. Contudo em alguns momentos, a lógica e a razão precisam ser combinadas ou deixadas de lado em favor da intuição.
Essa viagem teve tudo para não dar certo, muito antes de começar. Em vários momentos os fatos à minha frente apontavam para a decisão de abortar o projeto. Mas nesses vários momentos, eu deixei algo interior vencer a lógica. Eu sentia que tinha que continuar.
Durante a viagem, tive alguns momentos semelhantes. O dia que colidi com um carro e quebrei o nariz foi um deles. Eu sabia que aquilo não deveria parar a minha viagem se fisicamente eu pudesse continuar.
No dia seguinte, ainda com o nariz sangrando, tive a bicicleta roubada. Minha lógica dizia que era uma combinação de fatores altamente desfavoráveis. Porém, outra vez eu sentia que ainda não era momento de desistir. Com uma bicicleta nova continuei a pedalada.
Em Çorlu eu estava relutante quanto ao que fazer nos últimos quilômetros da viagem. Pedalar na Turquia estava sendo muito estressante. Parece que ao cruzar a Fronteira da Bulgária e entrar em território turco as leis de trânsito acabaram.
O desrespeito ao ciclista foi total. Carros e caminhões disputando espaço com uma bicicleta e fazendo questão de dizer quem era o mais forte. Eu sabia que meu anjo da guarda já estava com muitas horas extras no último mês e que aqui na Turquia a coisa seria pior.
Levantei as opções de estrada para Istambul e todas mostravam o mesmo cenário aterrador com o agravante de que a cidade era enorme e a grande Istambul se prolongava por mais de 30 Km. Juntei a razão com a intuição. Hoje as duas estavam de mãos dadas. Coloquei meus pés no chão da cidade no mesmo lugar onde o inspetor Hercules Poirot pisou para embarcar no Expresso do Oriente com destino à Paris. Nossas histórias se cruzaram na mesma plataforma da estação de trem de Istambul.
Daqui ele partiu sem saber que iria desvendar um misterioso crime que aconteceria à bordo do trem. Eu parti de Paris sem saber que desvendaria muitos mistérios. Em um tempo onde a solução de um crime dependia da astúcia e perspicácia do investigador, Poirot fez das palavras suas aliadas para solucionar o assassinato. Conversou com suspeitos, testemunhas e analisou os fatos que dispunha. Eu não tinha um mistério aparente para resolver, mas através das palavras fui desvendando um pouco da alma humana ao longo do caminho.
Viajei por séculos e milênios de história. Vi impérios surgirem e caírem a minha frente. Esqueletos de civilizações deitados ao longo da estrada. Suntuosos palácios, pobres choupanas, por todos passei. Suas paredes ainda erguidas despertam as histórias de quem as ergueu. .
Passei por muitos países, França, Alemanha, Áustria, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Servia, Bulgária e Turquia e descobri muitos mais dentro das fronteiras que foram desenhadas no papel. Fronteiras que separaram famílias, fronteiras invisíveis que dividem o que hoje se vê como um país.
Ah, como o ser o humano é complexo. Em quase todo o percurso descobri uma contida manifestação de desamor entre os povos. Ninguém confessa, mas aos poucos os rancores aparecem. A Alsácia, na França já foi Alemanha. Nem é preciso dizer, os nomes das cidades são alemães. Ali quem já foi alemão um dia hoje tem que ser francês, que por sua vez faz nariz para os que na França não nasceram. Na cidade alemã sou avisado pela senhora para ter cuidado com os Eslovacos. Na Sérvia, minha nossa.
É só lembrar da , Bósnia, Montenegro, Kozovo e os horrores do genocídio da década passada. Antes de sair da Hungria me avisam para tomar cuidado com os Búlgaros. Na Bulgária, parecem não suportar os turcos que invadem suas estradas para chegar ao seu país. O Turco por sua vez lembra que o seu país é formado por turcos e curdos e que se deve tomar cuidado com estes últimos. Com tanto rancor no ar só consegui ver o lado bom das pessoas.
Quanto mais me precaviam sobre algum lugar, mais ele se tornava amigável. Com poucas exceções, só recebi sorrisos e ajuda por onde passei. Conhecer as peculiaridades de cada povo e cultura foi o maior presente que tive dessa viagem. Presente que me motiva a realizar outras viagens.
Terminar essa viagem e olhar para as duas mochilas que carreguei durante quartenta dias me traz o mesmo sentimento que tive quando terminei o caminho de Santiago. A vida é muito mais simples e gostosa quando você não se preocupa com o material. Vivi quarenta dias com apenas o conteúdo daquelas mochilas, e como vivi bem.
sábado, 26 de julho de 2008
Dia 38 - Istambul
quinta-feira, 24 de julho de 2008
terça-feira, 22 de julho de 2008
Dia 37 - Çorlu - Istambul - Inicial
Acho que vocês estão vendo um homem realizado nessas imagens. Em breve atualizo com detalhes a chegada à Istambul
segunda-feira, 21 de julho de 2008
Dia 36 - Edirne - Çorlu
Dia 35 - Haskovo - Edirne (Turquia)
Depois de pedalar uns 50 Km, Peguei uma longa subida. Parei no topo para tomar água quando vejo se aproximar de mim um cachorrinho preto. Ele era novo, não devia ter mais do que um ano. Veio assustado mas com o rabo abanando. com aquele calor imaginei que estivesse com sede. achei um copo descartável jogado ao lado da estrada. Desamassei-o e enchi de água. ele veio devagarinho e tomou toda a água, me olhando como se quisesse dizer, `não tem mais?`. Enchi novamente, mais duas vezes. Resolvi dar toda minha água para ele pois eu não demoraria para chegar na próxima cidade. Verifiquei que eu tinha uma barrinha de cereal e passei para o bichinho. Pena que não tinha mais nada. mas vi que ele havia saciado sua sede.
Se a minha garupa fosse maior, ele certamente iria acabar em istambul comigo. Sai pedalando feliz.
Quando vi a placa de 3 Km para a Turquia fiquei eufórico.
Atravessar a fronteira foi demorado. Passei por cinco postos. O sol cozinhava o corpo e eu não ficava na fila dos carros. Ia ate o guiche e perguntava se podia passar ou apresentar o passaport. Em três dos postos olharam o passaporte e me mandaram passar direto.
Acabei tendo problemas na fronteira turca por incompetência de alguns fiscais que não carimbaram meu passaporte num dos quatro pontos de passagem.
No último posto disseram que eu tinha que ter um carimbo. Voltei ao quarto posto e disseram que ali era só para o regsitro de carros. O homem olhava o meu passaporte de cabo a rabo várias vezes mas sem saber o que fazer. Peguei o passaporte da mão dele e fui para outra pessoa, que voltou a falar com ele que por sua vez falou para eu ir no escritório.
Como eu percebi que ele não entendia nada do que estava falando, fui falar com outra pessoa, que finalmente disse que eu tinha que voltar no terceiro posto para ter o carimbo da imigração. Com esse carimbo eu devia voltar ali para ter um segundo carimbo e tudo estaria resolvido.
Voltei no terceiro posto e o guarda relutou em carimbar. Como fiquei parado como uma estátua olhando para a cara dele, imovel. Ele acabou digitando alguma coisa no computador e carimbando o passaporte. Voltei ao quarto posto, peguei outro carimbo e fui ao quinto posto. Lá olharam para a bicicleta, para os carimbos e me mandaram passar.
Com a temperartura alta eu penei para fazer os 15 últimos qulilometros. Edirne me surpreendeu pela beleza de suas mesquitas e praçãs.
Encontrei a maior flor do mundo, a qual eu daria para uma pessoa muito especial.
Esse é o hotel onde estou, meu quarto é a janela da direita no primeiro andar.
sábado, 19 de julho de 2008
Dia 34 - Plovdiv - Haskovo
Para mim essa viagem teve três fases distintas. A primeira foi de Paris até Viena onde encontre o Renato e Ferreira. A segunda foram os quinze dias que pedalei com eles. Agora, na terceira e última fase volto a pedalar solitário, mas nunca me sinto sozinho.
Mas a pedalada mudou. Voltei a ficar mais tempo na bike, parar menos. Talvez porque o cenário seja quase sempre o mesmo, campos e campos de plantação, um pouco mais de aridez, e a ansiedade escondida de chegar à Istambul.O odômetro mostra 2787 Km. Mais 400 e lá estarei.
Passei pelos meus amigos girassois que estiveram sorrrindo para mim o tempo inteiro. Hoje estavam tristes, cabisbaixos. Eles já sabem que estou indo embora. Não os verei mais, mas eles sempre estarão em meus pensamentos quando eu voltar à essa viagem em meus pensamentos.
A estrada era a mesma que cheguei a Hasckovo, pista simples sem aconstamento. Como existe uma autoestrada próxima, o movimento não era dos maiores. A monotonia das retas era quebrada vez ou outra por uma pequena vila, com seus vendedores de frutas e legumes.
O mais surpreendente foi ver um avião de guerra, um caça, estacionado ao lado de um posto de gasolina. Foi a coisa mais insólita do percurso. Não havia placas, nada. Apenas o caça parado de forma definitiva ao lado da estrada.
Depois desse inusitado encontro, a monotonia começou a ser quebrada com cartazes (outdoors) motivacionais.
Aqui, parece que tudo que anunciam nas estradas precisa estar acompanhado de uma bela mulher. Pias de banheiro, aquecedores, e sei lá mais o que apareciam ao lado de pouca roupa e muitas curvas.
Confesso que depois de algum tempo e já estava ate com pensamentos pecaminosos, motivados pela força da publicidade, é claro. Cada cartaz que eu avistava de longe, queria saber quem estaria protagonizando o anuncio.
Na entrada de Haskovo o cartaz motivacional foi apropriado, para me afastar do pecado. Era a Virgem Maria e o menino Jesus rodeados de passaros dando boas-vindas a quem chegava.
A punição divina veio na mesma moeda da tentação. Os próximos cartazes me perseguiram com a gata da foto seguinte.
A cidade ficava afastada uns 3 Km da estrada. Como vi que era um pouco grande liguei o gps para achar o hotel. Quando cheguei me surpreendi com um super hotel, novo e estiloso. Uma enorme piscina adornava a vista do meu quarto. Não acreditei que um hotel daqueles custava apenas 54 euros, preço que paguei por algumas espeluncas no meio do caminho.
Como cheguei cedo, por volta das 13:30, descansei até as 15:30. Depois fui consertar novamente um dos alforges visto que minha ultima tentativa não tinha resultado bem. Agora acho que ele está arrumado. Era um rasgo motivado na batida que dei quando quebrei o nariz, que por sinal vai muito bem.
Amanha tenho 95 Km pela frente para chegar a Edirne, minha primeira noite na Turquia.
sexta-feira, 18 de julho de 2008
Dia 33 Sofia - Plovdiv
Fiquei acordado até a 1:30 da manha. O sono não vinha e acabei ficando atualizando o blog. Coloquei um vídeo no blog do dia 28 Nis Pirot que mostra a passagem por alguns túneis curtos.
Hoje foi um dia de despedida. Renato e Ferreira começam sua volta para o Brasil. Ao meio dia pegam um vôo para Frankfurt e amanhã um vôo para o Brasil. Optaram por um vôo para Salvador com a companhia aérea Condor. De lá pegam um vôo para São Paulo.
As nove da manhã nos despedimos, Eles foram para o escritório da empresa onde as bikes estavam e de lá seriam levados ao aeroporto. As 9:30 o Stefan me apanhou e me levou com a bike para a estação ferroviária. Fui até a cidade de Kostenec e de lá pedalei até Plovdiv. Os dez primeiros quilometros foram feitos ao lado da ferrovia, num vale estreito. Passando por Belovo uma planice se abril afastando as montanhas e deixando apenas a vista delas á minha direita..
O dia estava quente e com pouco vento. A vegentação por aqui começa a mudar. Me parece um pouco mais árido e o verde já não tem tanta força. Pazardzik foi a próxima cidade que cruzei, com várias industrias. De lá para Plovdiv uns 30 Km de uma monótona reta foram palcos para muitas reflexões, viagens dentro da viagem.
A chegada em Plovdiv foi por volta das 5 da tarde. Eu nada saia sobre a cidade, mas confesso que fiquei encantado com ela. Quanta história ela já viveu.
É uma das cidades mais antigas do mundo. Seu nome mudou várias vezes. Foi Evmolpia na época dos Trácios (480 A.C), Já foi Philipopólis (342 A.C.), Trimontium para os Romanos por volta do ano 72 e Filibe para os Turcos entre 1364 e 1878.
A cidade antiga guarda as maiores atrações de Plovdiv. Mesquitas do período Otomano, um Estádio Romano debaixo do centro da cidade, que tinha dimensões para receber 30 mil pessoas pode ser visto parcialmente na principal rua de pedestres da cidade.
Talvez o maior tesouro seja o anfiteatro romano descoberto nos anos 80. Esse teatro tem espaço para 7 mil pessoas. Eu ficaria por aqui mais algum tempo para explorar toda a cidade. Essa parte antiga da cidade me lembrou muito uma área de Atenas chamada Plaka. Ruas de pedra e uma arquitetura comum à ateniense eu encontrei em vários lugares.
Essas imagens me levaram de volta à Atenas, cidade que foi um marco na minha vida. Foi na minha primeira viagem à Atenas em 1996 que comecei uma grande mudança pessoal. Dexei de ser um homem da área de Exatas e comecei uma migração para a área de Humanas.
História e geografia eu sempre gostei. Mas aquela visita foi muito mais do que um passeio. Pisar na mesma pedra que Platão discursava na Ágora ateniense, tocar no mármore do Partenon, Olhar para o estreito de Salamina e relembrar da batalha naval que mudou a guerra contra os Persas e tantas outras experiências que me tranportaram por milhares anos de história mexeram comigo.
Comprei um livro de mitologia grega que devorei no vôo de volta ao Brasil.A partir dali comecei a devorar livros de mitologia e a partir dela me aproximar da área de humanas através das artes e da influência da mitologia no mundo e nas diversas áreas do conhecimento humano. O resultado disso foram os cinco livros de mitologia para crianças que escrevi entre 1999 e 2000, além de um outro livro, para adultos, que ainda não publiquei. Acho que me empolguei com as memórias de Atenas.
Mas na verdade, elas são importantes, pois hoje eu estou pedalando nessa viagem como uma consequência da minha decisão de mudar a vida que tinha. E tudo começou em Atenas.
quinta-feira, 17 de julho de 2008
Dia 32 Sofia
Na hora do almoço voltamos ao hotel, fizemos o check-out e levamos as bicicletas até a empresa do Ferreira e Renato. Lá eles desmontaram e encaixotram as bikes para a sua viagem de amanhã.
Eu levei a minha bicicleta para uma revisão do freio dianteiro, mas estava tudo bem com ele. não queria correr o risco de ficar sem freio no final da viagem. A Scott Genius MC 40, mais conhecida como Numbert Two está impecável. Já rodou 1500 Km. O pneu traseiro está mais gasto do que o dianteiro mas em condições de rodar os 600 Km que faltam.
No final da tarde antes de retornamos ao hotel a Midlena, gerente da empresa me perguntou se eu podia ajudá-los a formatar uma planilha do Excel e inserir alguns gráficos. Era o mínimo que eu poderia fazer para retribuir a enorme gentileza que nos fizeram.
Lá pelas 18:30 o Stefan me levou com a bike para o hotel, num furgão da empresa. No caminho paramos numa estação e compramos um bilhete de trem. Amanhã eu vou tomar um trem e me afastar uns 30 Km de Sofia para voltar a pedalar em estradas menos movimentadas. a única saida para o sul é como se fosse uma Marginal do rio Tiete. Meu anjo da guarda vai ter uma folga na parte da manhã.
A seguir algumas fotos de Sofia.
Dia 31 - Sofia
Aqui em Sofia o Renato e o Ferreira fizerm contato com a filia da sua empresa, Kuehne-Nagel. Desde o primeiro contato, nos trataram como reis. As 10:30 a Midlena, gerente da empresa, nos apanhou no hotel, nos levou ao escritorio e depois para almocar. Na parte da tarde nos deixou no centro antigo da cidade onde voltamos a pe para o hotel.
A Catedral Alexander Nevsky foi construida em homenagem aos 200 mil soldados russos que morreram na guerra contra os turcos entre 1877 e 1878. E a maior igreja dos Balcas e a segunda maior igreja ortodoxa do mundo.
A cidade, deve ter entre 1 e 2 milhoes de habitantes. Nao parece ser uma cidade nem pobre, nem rica, apesar do pais ter os menores salarios da Uniao europeia. Para mim ela se mostra mais bonita do que Belgrado. As pessoas tambem parecem mais bonitas.
A igreja Russa de Sofia
Chegamos ao hotel por volta das 5 da tarde. Aproveitei para descansar por uma hora. As 20:30 iriam nos levar para jantar. Ai, bem que podia ter isso todo dia nessa minha viagem!
Peguei o notebook Mobo, chequei meus e-mails e decidi adiantar algumas materias para o jornal Estado de Minhas e responder algumas cartas de leitores da Folha de Sao Paulo, onde escrevo semanalmente no caderno de informatica. Como esse computador quebrou o galho.
O jantar foi num restaurante que ficava a 1 KM do hotel. Fomos nos tres e tres pessoas do escritorio. Amanha dia 17 tambem ficaremos por aqui. levarei minha bike para verificar o freio dianteiro e os meninos irao demontar e encaixotar as bikes para sua viagem de volta no dia 18.
quarta-feira, 16 de julho de 2008
Dia 30 Pirot - Sofia (Bulgária)
Acordei as 6:30 e as sete estava pronto para o café. O Renato acaba de acordar. Dei uma olhada no tempo e estava fechado, com o chão molhado. O Ferreira disse que havia chvido a noite inteira. Eu não ouvi nada.
Na hora de sair ficamos na indecisão de colocar as roupas de chuva ou esperar. Optamos por esperar e isso acabou sendo a escolha certa. Alguns pingos cairam, mas não chegaram a incomodar. Logo nas primeiras pedaladas sentimos que o vento estava vindo pelas nossas costas. A pedalada começou bem rápida e se manteve assim pelo dia inteiro.
Após 40 minutos já tinhamos feito 17 Km e paramos no último posto de gasolina para tomar um reforço do café da manhã, que também havia sido muito fraco, dessa vez sem o ovo podre dos dois dias anteriores.
Mais cinco quilometros e estávamos na fronteira com a Bulgária. Apresentamos os passaportes no lado sérvio, que foram imediatamente carimbados por uma guarda. Nos quinhentos metros que separam as duas imigrações, ou seja na terra de ningúem, pois voce saiu de uma país e não entrou no outro, tiramos uma foto junto a placa de despedida da Sérvia.
Alguns metros mais adiantes passamos por duas cancelas. Pensei que estava passando por cima de uma mangueira furada, pois comecei a sentir um borrifo nas pernas, mais alguns metros o Renato emparelhou e disse, Acho que fomos detetizados. Eu disse que também achava, pois tinha um cheiro parecido com o de criolina no ar.
Comentámos que se nossa pele não descolasse até o final do dia estava tudo bem. Só que alguns quilometros mais adiante, jogamos água nas pernas para tirar a cisma.
Na fronteira bulgára caribaram o passaporte sem falar nada conosco. Num terceiro posto, nos pararam e pediram para preencher uma pesquisa que girava em torno da corrupção dos agentes da imigracção.
Cem metros adiante uma placa apontava as distâncias e apareceu, pela primeira vez Istambul. Nossa, eu já nem pensava em Istambul nos últimos dias, Meu destino era Sofia o ponto final da viagem do Renato e Ferreira.. 615 Km me separavam do meu objetivo, agora devidamente realinhando. Eu já tinha pedalado mais de 2.500Km.
Estavámos subindo, desde que saimos de Pirot. Dos 230m de altitude já estávamos em 450. Após a fonteira as subidas se acentuaram, chegando a 3 e 4% de gradiente, mas com aquele santo vento pelas costas, estavámos indo muito bem. Alcançamos os 700 m de altitude e a partir daí, o percurso foi descendente.
Os próximos quilometros foram nosso parque de diversão. Não havia descidas íngremes, mas o vento estava tão forte que pudemos pedalar em velocidades de até 50 Km/h. Ficamos muitos e muitos quilômetros pedalando a mais de 30 ou 40 Km/h.
A rodovia que era pista simples se tornou uma pista simples mas com duas faixas de rolagem de cada lado.
Isso nos dava mais segurança pois os carros e caminhões passavam na outra faixa. Faltavam uns 30 Km para Sofia, O Ferreira estava a uns 150m na minha frente, O Renato devia estar uns 20 metros atrás de mim. A velocidade deve estar em torno de 35 Km/h. Nesse ponto a rodovia era plana. Na minha frente uma placa indicava o nome de alguma cidade para o lado direito e uns 100 metros adiantes vi uma estrada, á minha direita que terminava na estrada na qual eu estava.
Vi uma perua Scenic azul parada esperando sua vez para entrar, ou seja, estava me esperando passar. Fiquei atento a esse carro. A estrada secundária não fazia exatamente um T com a estrada principal, se encontrava com ela com um ângulo de 30 graus.
Quando eu estava a uns 20 metros de cruzar com a Scenic vejo uma perua Mercedes ML preta que vinha no sentido contrário começar a vir na minha direção. Ela ia entrar nessa estrada secundária. Ela não parou, não deu seta, nada, simplesmente entrou do jeito e na velocidade que vinha.
Tudo não levou mais do que meio segundo. Eu apertei firme os freios hidráulicos da bicicleta e comecei a desviar levemente para a esquerda. Eu pensava, eu tenho que sair da frente desse carro. Se ele me pegar de frente estou morto, se eu conseguir bater na lateral dele, em angulo, eu tenho uma chance de sair vivo. Os alforges desequilibram a bicicleta numa freada, mas consegui mantê-la alinhada e continuar o meu desvio.
Consegui livrar a frente do carro, inclinei um pouco mais a bicicleta para a esquerda. Naquele instante achei que daria para desviar. Eu quase emparelhado, com ele indo pela minha direita. Pensei acho que passo mas o alforge vai bater. Se isso acontecer eu tenho que torcer para não ter carro na minha esquerda,
Eu estava aliviando os freios para não desequilibrar demais a bicicleta quando vi a a quina do pára choque traseiro passar por mim, Não dava para passar uma folha de papel entre o pára choque e o alforge. Inclinei levemente a bicicleta para a direita para me alinhar com a estrada.
Olhei para o carro à medida que ele se afastava. Ali nada mais havia o que ser feito. Mais uma vez agradeço a Deus por ter passado por uma situação de risco tão grave como essa sem ter me acontecido nada.
Pensei comigo se o Renato tinha visto a cena. Em alguns segundos ele estava ao meu lado dizendo que não tinha sido a nossa vez. Me contou que estava atrás de mim e olhando para baixo quando escutou o barulho dos meus freios. Instintivamente ele freou e se desviou de mim. Ele ainda disse que o carro tinha diminuido a velocidade mas que continuou em seguida. Ele por sua vez teve chance de xingar o motorista irresponsável.
Uns dois quilômetros depois encontramos o Ferreira que nem desconfiava do que haviámos passado. Paramos para comer umas bolachas e tomar água, Ai comentamos com ele do acontecido. Faltavam 23 Km para Sofia.
A estrada virou uma avenida da cidade Andamos por ela uns 5 Km e paramos para almoçar. O Ferreira ligou para uma pessoa da empresa que trabalham, na filial local e pediu dicas de hotel. Ela pediu para que ligassemos em uma hora. Nesse meio tempo liguei o GPS e usando o celular consegui pesquisar na internet alguns hoteis de Sofia. Fomos atrás de dois deles e acabamos parando num hotel no centro da cidade. Enquanto perguntava para a recepcionas sobre disponibilidade de vaga, dessa vez em frances, pois ninguém falava outra lingua, o Ferreira ligou para sua colega e ela disse que tinha reservado justamente aquele hotel.
Muita coincidência. Descansamos por umas duas horas e fomos jantar. Amanha encontraremos com a Milena as dez da manhã.
Bem, mais um dia da viagem se passou. Sofia é o destino final dos meninos que no dia 18 voltam para o Brasil. Eu ficarei aqui esses dias, e continuo dia 18 em direção a Istambul. Na Bulgária devo dormir em mais duas cidades antes de entrar na Turquia.
segunda-feira, 14 de julho de 2008
Dia 29 Nis - Pirot
Começamos a pedalar as 7.30. Nossa meta, Pirot, ficava a 80km. Pegamos a autoestrada para Sofia. Nesse dia teriamos de atravessar as montanhas que se erguiam no horizonte.
Depois de 20km a estrada virou pista simples.
Fiquei muito preocupado. Mas não havia opção. Pedalamos 30km por uma pista sem acostamento, com o guard-rail encostado na pista. Nossa sorte foi que o maior movimento de caminhoes era no sentido contrario.
Contudo passamos alguns apuros.
Para piorar enfrentamos uma sequencia de uns dez tuneis, sendo qutro deles com 200ou 300m de extensão.
No meio do caminho paramos para comer melancia e após o almoco não pudemos resistir a um rio de aguas limpidas que margeava a estrada. Paramos as bikes ao lado do rio e entramos na agua geladinha. Foi muito bom.
Pirot estava proxima. Em uma hora chegamos ao centro da cidade. O hotel que la havia era um cacareco Seguimos mais adiante e ficamos num hotel na beira da estrada que tinha uma piscina enorme e que foi devidamente usada. Amanha nosso destino sera Sofia na Bulgaria, que esta a 75 km.
Enviado por um Moto Q com roamming internacional TIM
domingo, 13 de julho de 2008
Dia 28 - Markovac - Nis
Depois de estudar atentamente os mapas da Sérvia e Bulgária que havia comprando em Viena, cheguei à conclusão de que minha rota original precisaria ser mudada. A topografia é crucial para se determinar as distâncias e tempo de percursso.
Conversando com meus amigos resolvemos encurtar mais um dia e ao invés de dormir em Paracin iríamos fazer uma esticada de 130 ou 140 Km. Ao invés de ir para Knjaevac e de lá para Pirot. Optei por Nis.
A decisão foi ir pela autoestrada que possui acostamento. É uma rodovia com pista dupla nos dois sentidos, muito bem conservado. Lembra em alguns pontos a Rodovia Washington Luís em São Paulo.
O percurso teria alguma subida, pois estávamos em 110m de altitude e iríamos pra 300. O percurso seria de 135 Km. U m percurso longo que se tornou penoso por conta do vento e calor.
Combinamos de sair as 7 da manhã, mas acabamos saindo as 7:36. As duas primeiras horas fomos bem, com velocidade oscilando entrre 20 e 24 Km/h. Depois disso o vento aumentou e totalmente contra nós. Ele só deu trégua por volta das 18 horas. Durante todo o dia não conseguíamos atingir 20Km/h
Manter 15 ou 16 KM/h exigia muito esforço físico. Para quem faz aulas de Spinning em academia, seria o equivalente a pedalar uma música de súbida só que sentado, o dia inteiro. O resultado do esforço foram 8600 calorias consumidas, record da viagem. Cheguei dolorido no final do dia, com o joelho me dando um sinal de vida.
Aliado ao vento, o calor de hoje foi terrível. Perto dos 40 graus o tempo inteiro. Isso tudo acabou desgastando muito a todos do grupo. Eu particularmente senti demais essa combinação de vento e calor em função de uma burrice minha e de café da manhã. Na noite anterior resolvi não jantar por achar que estava tudo ok pois o dia não tinha sido muito puxado. Grande erro, pois nesse tipo de atividade eu precisaria manter regularidade na alimentação.
O café da manhã foi rídiculo. Trouxeram uma xícara de xá, um pãozinho, uma manteiga e, segundo o ferreira um ovo podre cozido.
A falta de alimentação correta me cobrou logo cedo. Antes do almoço eu já estava muito cansado, como nunca havia estado nesses 28 dias. Tomei muito cuidado com a hidratação, mas hoje foi terrível. Sede o dia inteiro. Tomei seis litros de água e dois litros de suco de laranja. Mas cheguei ao final do dia seco..
Nossa, que dia. Pegamos várias pequenas subidas e uma grande com inclinação de 4% que teve de ser vencida bem devagar.
Pedalávamos meia hora e parávamos 5 minutos para poder manter um ritmo constante. Num dos postos havia uma torneira de tanque disponível e acabamos nos molhando, ou melhor nos encharcando de água.
Lá pelas 5 eu estava acabado. Cada um de nós teve o seu pior momento em alguma hora do dia. Dez quilometros antes de Nis encontramos um hotel na beira da estrada. Resolvemos parar ali pois já eram 7:20 da noite. Poderíamos chegar em Nis, mas já escurecendo e não queríamos passar pelo stress de chegar à noite numa cidade. Tudo fica mais díficil. Hoje não tirei fotos, ou melhor apenas uma. O dia foi monótono em termos de paisagem. Plantações, sítios e pequenas vilas se alternavam no relevo de colinas. À nossa frente um grande maçico de montanhas nos fazia lembrar do que teríamos de atravessar no dia seguinte.
Estou pedalando de manga comprida e com muito protetor solar nas partes expostas, mas mesmo assim não está fácil segurar a força do Astro-Rei.
A qualidade dos serviços está cada vez pior aqui no sul da Sérvia. O hoteis e restaurantes de estrada são os líderes. Hoje parece que começou o êxodo de turcos que moram na Europa central para o seu páis. A estrada e os postos de gasolina estavam lotados de carros com fámilias indo para a Turquia.
Hoje não me alongo muito pois estou realmente cansado.
sábado, 12 de julho de 2008
Dia 28 Belgrado - Markovac
Combinamos um almoco cedo e optamos por pegar um trem para sair da grande Belgrado. Depois de meia hora descemos e pedalamos os 60km que faltavam para Velika Plana. Eu havia reservado um hotel nessa cidade mas na verdade ele estava localizado numa outra pequena cidade 9km adiante.
Pedalamos rapidamente e chegamos ao hotel, que na verdade era um motel na beira da estrada
A paisagem mudou. Das longas planicies ao longo do Danubio agora temos uma sucessão de colinas e planicies.
# Atualizado pelo celular com roamming da TIM
Dia 27 - Belgrado
Dia 27 – Belgrado
Dia de preguiça. O dia anterior nos creditava a um dia de descanso. Mas a realidade é que numa viagem como essa nunca se descansa. Tomamos café as 9 da manhã, o que é um luxo para esses pedalantes.
O Renato foi colocar gelo no joelho e combinamos sair para conhecer a cidade lá pelas 10:30. Quando desci eles estavam atualizando seu blog e acabamos ficando no hotel até as 11:30. Fomos até a Estação de trem, tiramos umas fotos e nos dirigimos, usando nossos pés e não nossas bikes, à uma antiga fortaleza que fica na parte alta da cidade.
Lá ficamos por um hora sentados em um banco sobre a proteção de uma frondosa árvore. Assistíamos de camarote a disputa de pardais e corvos pelas poças d´água que se formavam pelos jatos de irrigação do jardim.
A fome começou a mandar lembranças e decidimos ir para o centro da cidade. Poucos metros depois de sair do parque encontramos um restaurante com terraço amplo que nos convidou a ficar. Um simpático garçon não falava quase nada de outra lingua mas tinha muita facilidade em entender qualquer coisa que falássemos.
Nesse meio tempo consegui acertar o Motoquinho que não estava conseguindo mandar e-mails. Foi a primeira vez que isso aconteceu na viagem. Mas felizmente foi resolvido facilmente. Existem tres operadoras de celular nessa região. Aquela que o celular `pegou` não conseguia fazer a transmissão. Mudei de operadora e tudo voltou ao normal.
O roamming da TIM tem se mostrado impecável. Não fiquei sem conexão de voz ou dados em nenhum dos locais que passei.
Beolgrado é um cidade antiga, sofreu muita influencia Russa durante a existência da União Soviética. O idioma russo está presente em quase todos os locais. A cidade tem muitos edificios bonitos, mas mal cuidados. Muitos não vêem uma água ou tinta a décadas.
Andar pela cidade é voltar para os anos 50. A cidade, dividida pelo rio cresceu e modernizou-se do outro lado, na Nova Belgrado. Mas entre os encardidos edifícios é possível garimpar prédios renovados que exibem detalhes sutis de um passado sofisticado da cidade.
Pelas ruas de pedestres lojas de marca se mesclam com pequenos comércios, O som de um cantor de música regional enche a rua mas disputa nossa audição com outro canto que vem de outra direção. Um grupo indígena americano entoa seus canticos e orações cantadas atraindo mais platéia do que o cantor.
As ruas de Belgrado levam quem por lá passa do sacro ao profano em questão de passos. Batas e mini-saias ecumenicamente desfilam pelas ruas.
Nosso passeio durou mais de sete horas. Minhas pernas pareciam mais cansadas do que nos dias de pedaladas.
Talvez eu tenha perdido um pouco o habito de andar. Olhei no velocimetro da bicicleta e me dei conta de que já cheguei a dois terços da viagem. 2.240 Km já se passaram desde que deixei Paris. Pelos meus cálculos mais 1.100 Km me separam de Istambul.
sexta-feira, 11 de julho de 2008
Dia 26 - Baja - Belgrado
O objetivo do dia era sair de Baja e ir até alguma cidade que tivesse trem para nosso destino inicial que era a cidade de Novi Sad na Servia.
Nossa rota nos levou pela estrada 51 para o sul onde após 25 Km cruzamos a fronteira da Hungria com a Sérvia.
Hoje o terreno e o vento foram aliados. Posso dizer que fomos levados pelos ventos e detidos pelos contratempos.
Ao passarmos por algumas vilas antes da fronteira resolvemos gastar o que sobrava de Florins, que para nós foram batizados de Florianos e Florentinos. Eu e o Renato compramos chocolates, água e refrigerante. O Ferreira não quis comprar nada.
É muito engraçado você chegar no guiche para apresentar o passaporte encima de uma bicicleta, enquanto você ve carros nos outros guiches, ou melhor um carro já que nossa entrada na Sérvia foi por uma rota quase sem movimento.
No lado da Hungria, foram mais burocráticos e vasculharam meu passaporte várias vezes. Com tantos vistos e carimbos, acho que devem ter ficado confusos. Era também a primeira vez que viam passaportes brasileiros.
A razão da demora é que queria saber quando eu tinha chegado à Europa. Falei que dia 12 de junho através de Londres-Paris. Em Paris não carimbaram meu passaporte. Não sei porque, mas agora isso estava sendo um problema. Pediram se eu tinha uma copia do bilhete e respondi-lhes que era um bilhete eletrônico. Se tivessem internet ali, poderia acessar a reserva.
Falaram que não tinham, e acabaram me liberando. Alguns metros adiante, na Sérvia, foram super rápidos. Apenas conferiram os vistos, carimbaram o passaporte e nos liberaram. Fomos a atração do posto de fronteira, com destino a fotos e comentários sobre futebol, já que tem um sérvio que joga ou jogou num time do Rio de Janeiro.
Num local próximo trocamos dinheiro, eu e o Renato. O ferreira queria trocar os Florianos que ainda tinha, mas ali não trocavam, só em bancos. Lá pelas 11:30 falei para pararmos um pouco para comermos alguma coisa que trazíamos. Eu e o Renato paramos, e quando vejo, o Ferreira, continua a pedalando. Ele realmente não havia acordado bem. Tudo parecia aborrece-lo. Como todo mundo tem os seus dias de alto e baixo astral, aquele devia ser um dos de baixo astral dele.
Tínhamos que chegar na cidade de Sombor, que me lembrava sempre um nome de vilão dos desenhos dos Herculóides. O Ferreira simplesmente desapareceu. Quando eu e o Renato chegamos na cidade, que não era pequena, não o achamos na entrada da cidade, o que seria natural para quem chega na frente esperar antes de entrar na cidade.
Tivemos que ligar para ele, que disse que estava num banco. Eu e o Renato formos procurar a estação ferroviária. Ninguém falava ingês ou alemão. Mas conseguimos encontrá-la. Nessa cidade vimos pedintes pela primeira vez na viagem.
Com alguma dificuldade conseguimos encontrar a estação rodoviária, que apesar de pequena e mal cuidada tinha gente. Falei com dois homens que não falavam outro idioma. Entendi que iriam chamar alguém que falasse inglês, mas como não apareceu ninguém fui até um guiche e perguntei se havia trem para Novi Sad. As 15 horas, respondeu a moça. Podemos levar bicicletas.
NÃO, respondeu. Eu gelei. Através de mímica consegui descobrir que só existia esse trem naquela tarde. Sai para a plataforma onde o Renato esperava e ele ansioso me pergunto do horário do trem. As 15 ele sai, mas , sem bicicletas à bordo.
Você tá brincando, meu velho, disse ele. - Não estou não, respondi.
E agora, o que faremos, respondeu com expressão de preocupação.
-Bem, vamos achar o Ferreira.
Nisso chegou um rapaz de uns 35 anos e falou com um senhor que estava prõximo de mim. Perguntei se falava inglês e ele disse que sim, perguntando para onde queríamos ir. Falei de Novi Sad. Ele falou com o homem novamente e me disse que so existia uma possibilidade. Me disse o nome de uma cidade onde poderíamos pegar um trem que aceitava bicicletas.
Ele falou o nome de algumas cidades que não entendi direito. Abri o mapa e mostrei onde estávamos e para onde estava Novi Sad. Ele me apontava as cidades intermediárias falando os seus nomes.
Naquele momento me senti como o próprio Champollion, arqueólogo francês que conseguiu decifrar a Pedra Roseta, uma tábua de pedra que possuía inscritos em hieróglifos e grego e com isso entender o significado dos hieróglifos egípcios.
Naquele momento eu consegui pegar a chave para pronunciar e ler muitas palavras que estavam em Russo. Foi uma alegria passageira. A cidade de Vrbas, com pronúncia Vêrbas ficava a 55Km de distância. Para quem já havia pedalado 60, era um bom chão. Ainda corríamos o risco de chegar lá e não ter mais trem naquele dia, ou não aceitarem bikes.
Liguei para o Ferreira e expliquei onde estávamos. Em 15 minutos ele chegou. Havia ido em 4 bancos para trocar dinheiro. Na saída da cidade propus almoçarmos num restaurante. Eram 14:30. O restaurante foi uma indicação do rapaz que nos deu a dica de Vrbas.
O serviço foi demorado e saímos as 15:30. Calculei que se as condições continuassem iguais, chegaríamos as 18:30 em Vrbas.
O nosso grupo estava pouco coeso. Cada um foi no seu ritmo. O Renato se empolgou com o vento a favor e disparou. Eu estava num ritmo forte e ele aumentava o ritmo. Pensei comigo, isso não vai ajudar o joelho dele, mas ele deve saber como está a situação. Resolvi diminuir o ritmo e ficar nos 25Km/h.
Com alguma facilidade se chegava a 33Km/h em alguns trechos. Fizemos uma parada num pequena cidade e combinamos para numa que ficava uns 15 Km adiante, chamada Kula.
Perguntei ao Renato, você quer parar para tomar água onde? Quer tomar em Crevenka ou tomar em Kula? Como ele preferiu a segunda opção partimos para mais um trecho rápido. Eu fiquei para trás num ritmo só meu. Aquela tarde parecia que eu estava pedalando sozinho novamente.
Mas tudo é compreensível. Em grupo não dá para estar em sintonia o tempo inteiro. Quando estávamos chegando perto de Vrbas o Renato me esperava perto da entrada da cidade. O Ferreira mais uma vez havia sumido.
Num momento qualquer aparece o Ferreira irritado perguntando porque não tinhámos parado na rodoviária. Ele tinha descoberto um ônibus que ia para Novi Sad e que levaria as bikes. Mas que o mesmo já tinha saído.
Eu não o tinha visto e o Renato achou que ele parou para comprar água. Bem, o clima continuava daquele jeito.
Conseguimos descobrir onde ficava a estação. Entramos pela plataforma e olhando para algumas portas resolvi entrar em uma delas. Era uma sala de controle da estação e três homens conversavam sentados. Dois à minha frente, e um na minha direita.
Um homem de cabelos grisalhos e de uniforme olhou para mim e disse : TOUR DE FRANCE! Numa alusão à corrida de bicicletas que estava acontecendo na França.
Demos risada e eu perguntei: Deutch? English? Nada de afirmativo. Falei o nome de Novi Sad indiquei hoje e falei bicicleta que tem uma pronuncia parecida com a que eles usam aqui.
O homem a minha direita arriscava algumas palavras em alemão. E me levou para o guiche. No guiche falei o que queria e a mulher não entendeu nada. Ai veio o senhor grisalho que parecia ser o chefe da estação. Ele falou com a mulher que entendeu que queríamos ir para Novi Sad. Nesse meio tempo descobrimos que existia um festival de 3 dias chamado Exit na cidade e que estava tudo lotado.
Resolvemos então ir para Belgrado. Não podíamos arriscar chegar lá e dormir na rua.. A mulher disse que não podia levar bicicleta. Aí sim, eu fiquei preocupado. Mas ao mesmo tempo percebi que o chefe estava liberando as bikes. Ele falava com alguém ao telefone e me passou o telefone para que eu falasse com a pessoa.
Um joven do outro lado falava em inglês. Disse que era filho do senhor e que ele havia liberado a entrada das bicicletas, que falaria com o condutor do trem e que eu seguisse suas intruções. Pagamos 7 euros por passagem que nos levariam até belgrado, 130Km de distância.
Parecia uma luz no fim do túnel. Fomos para a estação esperar o trem que chegaria em 15 minutos. Fomos muito ajudados nesse dia. Acho que o senhor gostava de bicicletas, pois foi muito amigo.
O trem chegou em meia hora. Nesse meio tempo a estação virou cenário para muitos personagens. Enquanto converámos, os três, eu observava algumas pessoas. Como num mosaico onde várias cenas aconteciam ao mesmo tempo.
Na varanda da estação algumas pessoas aguardavam o trem. O sol estava baixo, mas forte. Não havia muito como fugir dele, mesmo sob a varanda. Um senhor de boné francês aguardava quietinho, com serenidade, olhando de vez em quando para algum movimento de um grupo de pessoas á sua direita
**** senhor
Á sua frente uma jovem manifestava gestos de impaciência. O grupo de pessoas que o senhor olhava era uma família. Duas netas, avó e pais. As meninas corriam em volta da avó, abraçavam os pais e gritavam vez ou outra.
Uns dez metros adiante uma senhora muito idosa, de cabelos desarrumados ficava perto da beira dos trilhos, que eram no mesmo nível da plataforma, rente ao chão. Ela parecia meio estranha. Conversou com um homem que passou e quando olhei novamente ela não estava mais lá.
Da sala de controle saíram o chefe e um outro homem com jeito e cara de Bruce Willys enfezado. Na mão carregava um cacetete de 1 metro de comprimento. Passou por nós em direção aos vagões de um trem parado do outro lado da estação.
Olhando bem para ele, resolvi mudá-lo de filme. Ficava muito melhor como um dos capangas dos vilões dos filmes do 007.
Ele desapareceu atrás dos vagões. Nisso ouve-se um anuncio de um trem chegando. Pegámos nossas bicicletas e as colocamos perto do trem. O chefe olhou para nós e disse que não era aquele. Em 2 minuto trouxe o celular para mim e seu filho disse que passariam alguns trens antes do nosso e que seu pai nos avisaria. Agradeci e pedi para ele dizer ao seu pai que ele estava sendo um grande amigo.
O trem partiu. A calma voltou à estação, por pouco tempo. De traz dos vagões vejo a velha sair e alguns metros atrás dela vem o capanga do vilão do 007 com o cacetete na mão dando uma bronca na velha.
A moça impaciente encontrava-se com uma amiga que acabara de chegar e o senhor, ah, ele continuava quietinho esperando o trem.
Mais algumas pessoas chegaram à estaçao e um novo anuncio de trem era soado pelos alto-falantes. Pensei comigo, puxa, precisava dar algo para o chefe da estação, mas eu não tinha nada comigo. Falei com os meninos e o Ferreira lembrou-se de uma bandana com a bandeira do Brasil. Legal, vamos dar isso a ele.
O Ferreira o chamou e entregou a bandeira. O homem ficou muito contente. Apertou nossa mão com firmeza e nos conduziu a porta do trem. Era um trem enorme vindo de Paris para Belgrado, Um exemplo moderno do Expresso do Oriente.
O trem não tinha espaço para bicicletas. Ele tinha cabines para seis pessoas, carro leito, carro restaurante mas não espaço para bicicletas. Tivemos que suvir as bikes rapidamente e colocamos a minha e a do Ferreira em pé no espaço que ficava entre a porta que separava os vagões e o banheiro. O espaço era mínimo. O Renato entrou no outro vagão. Estávamos a 3 metros de distância. O trem estava lotadíssimo com jovens indo para o festival de Novi Sad. A maioria nos corredores. O cobrador passou e disse que em Novi Sad teríamos local para sentar. Ficamos ali no corredor pos uns 45 minutos. Em Novi Sad o trem esvaziou.
Amarramos as duas bicicletas e eu fui para a primeira cabine onde haviam mais de 20 garrafas de vinho, cerveja, caixas de cigarro, uma verdadeira imundice. Amontoei as garrafas num canto e fiquei por ali. O Ferreira e Renato ficaram conversando por algum tempo e depois vieram para essa cabine. Perguntamos quando o trem chegaria em Belgrado e o cobrador disse que por volta das 21:10.
Quando foi 21:00 passou outro cobrador dizendo alguma coisa sobre Belgrado. A maioria das pessoas começou a se arrumar para descer. Uns 15 minutos depois o trem parou. O Ferreira desceu e começamos a baixar as bikes. A minha e a dele já estavam em baixo quando o cobrador, também no chão da estação fazia sinal para voltarmos para o trem. O Renato começava a baixar sua bike. Percebi que estávamos em Nova Belgrado. Deu desespero geral. Foi um tal de empuirra, ajeita, puxa para colocar as bikes de volta. Mas deu tempo.
O stress desse dia parecia não acabar. Belgrado é muito grande. Se chegássemos de bicicleta teríamos problemas para chegarmos aos locais. Mais dez minutos e paramos na estação central. Ali outro trem se preparava para partir com as pessoas arrumando suas coisas dentro das melancólicas cabine leito. Apertadas e com uma luz muito fraca iluminavam um formigueiro humano que buscava seu espaço para enfrentar a longa viagem que o trem deveria fazer.
Passa por nós um casal com um enorme Doberman. O cachorro fez xixi num poste, mas que novidade né, e bebeu água de uma fonte que havia mais adiante. Chegamos no saguão principal. A estação era bem antiga e mal cuidada.
Agora tinhamos que achar um hotel. A região de uma estação ferroviária não muda muito entre os países, normalmente é feia, escura e perigosa durante a noite. Tinha um hotel a menos de 200 metros da estação, mas não queríamos ficar ali. Optamos por achar outro que ficava a um Km daquele local.
Passamos por um prédio neoclássico iluminado com muitas cores e entramos numa grande avenida. Passamos em frente algumas embaixadas. Parei para perguntar numa lanchonete sobre algum hotel por ali. A moça me deu algumas indicações e com mais um outro pedido de explicação para um casal que passava conseguimos achar um hotel.
Nossa, nem podia acreditar. O hotel era bom, mas os atendentes meio toscos. Gastamos algum tempo negociando o preço de dois quartos. Negócio fechado perguntei onde poderíamos deixar as bikes. Ele pediu para acompanhá-lo e me mostrou um local do lado de fora do hotel, no estacionamento onde poderíamos deixar as bikes, ao ar livre e de frente para a rua.
Virei para ele e disse. Isso não vai ser possível. Essas bikes não custam pouco. Eu sei disse ele, mas temos câmeras de vídeo. Olha, mesmo com cameras de vídeo as bikes não podem ficar aí. Já tive uma bike roubada dentro de um hotel faz duas semanas. Com alguma relutância e má vontade ele abriu uma sala e disse que poderíamos deixá-las lá.
Era 22:30. Finalmente nosso dia chegava ao fim. Foi o mais longo dos dias dessa viagem, o mais tenso e cheio de contratempos, mas que da melhor forma, puderam ser superados.
A batalha por Belgrado fora vencida.