sexta-feira, 11 de julho de 2008

Dia 26 - Baja - Belgrado




O objetivo do dia era sair de Baja e ir até alguma cidade que tivesse trem para nosso destino inicial que era a cidade de Novi Sad na Servia.

Nossa rota nos levou pela estrada 51 para o sul onde após 25 Km cruzamos a fronteira da Hungria com a Sérvia.

Hoje o terreno e o vento foram aliados. Posso dizer que fomos levados pelos ventos e detidos pelos contratempos.

Ao passarmos por algumas vilas antes da fronteira resolvemos gastar o que sobrava de Florins, que para nós foram batizados de Florianos e Florentinos. Eu e o Renato compramos chocolates, água e refrigerante. O Ferreira não quis comprar nada.

É muito engraçado você chegar no guiche para apresentar o passaporte encima de uma bicicleta, enquanto você ve carros nos outros guiches, ou melhor um carro já que nossa entrada na Sérvia foi por uma rota quase sem movimento.

No lado da Hungria, foram mais burocráticos e vasculharam meu passaporte várias vezes. Com tantos vistos e carimbos, acho que devem ter ficado confusos. Era também a primeira vez que viam passaportes brasileiros.

A razão da demora é que queria saber quando eu tinha chegado à Europa. Falei que dia 12 de junho através de Londres-Paris. Em Paris não carimbaram meu passaporte. Não sei porque, mas agora isso estava sendo um problema. Pediram se eu tinha uma copia do bilhete e respondi-lhes que era um bilhete eletrônico. Se tivessem internet ali, poderia acessar a reserva.

Falaram que não tinham, e acabaram me liberando. Alguns metros adiante, na Sérvia, foram super rápidos. Apenas conferiram os vistos, carimbaram o passaporte e nos liberaram. Fomos a atração do posto de fronteira, com destino a fotos e comentários sobre futebol, já que tem um sérvio que joga ou jogou num time do Rio de Janeiro.

Num local próximo trocamos dinheiro, eu e o Renato. O ferreira queria trocar os Florianos que ainda tinha, mas ali não trocavam, só em bancos. Lá pelas 11:30 falei para pararmos um pouco para comermos alguma coisa que trazíamos. Eu e o Renato paramos, e quando vejo, o Ferreira, continua a pedalando. Ele realmente não havia acordado bem. Tudo parecia aborrece-lo. Como todo mundo tem os seus dias de alto e baixo astral, aquele devia ser um dos de baixo astral dele.

Tínhamos que chegar na cidade de Sombor, que me lembrava sempre um nome de vilão dos desenhos dos Herculóides. O Ferreira simplesmente desapareceu. Quando eu e o Renato chegamos na cidade, que não era pequena, não o achamos na entrada da cidade, o que seria natural para quem chega na frente esperar antes de entrar na cidade.

Tivemos que ligar para ele, que disse que estava num banco. Eu e o Renato formos procurar a estação ferroviária. Ninguém falava ingês ou alemão. Mas conseguimos encontrá-la. Nessa cidade vimos pedintes pela primeira vez na viagem.

Com alguma dificuldade conseguimos encontrar a estação rodoviária, que apesar de pequena e mal cuidada tinha gente. Falei com dois homens que não falavam outro idioma. Entendi que iriam chamar alguém que falasse inglês, mas como não apareceu ninguém fui até um guiche e perguntei se havia trem para Novi Sad. As 15 horas, respondeu a moça. Podemos levar bicicletas.
NÃO, respondeu. Eu gelei. Através de mímica consegui descobrir que só existia esse trem naquela tarde. Sai para a plataforma onde o Renato esperava e ele ansioso me pergunto do horário do trem. As 15 ele sai, mas , sem bicicletas à bordo.

Você tá brincando, meu velho, disse ele. - Não estou não, respondi.
E agora, o que faremos, respondeu com expressão de preocupação.
-Bem, vamos achar o Ferreira.

Nisso chegou um rapaz de uns 35 anos e falou com um senhor que estava prõximo de mim. Perguntei se falava inglês e ele disse que sim, perguntando para onde queríamos ir. Falei de Novi Sad. Ele falou com o homem novamente e me disse que so existia uma possibilidade. Me disse o nome de uma cidade onde poderíamos pegar um trem que aceitava bicicletas.

Ele falou o nome de algumas cidades que não entendi direito. Abri o mapa e mostrei onde estávamos e para onde estava Novi Sad. Ele me apontava as cidades intermediárias falando os seus nomes.

Naquele momento me senti como o próprio Champollion, arqueólogo francês que conseguiu decifrar a Pedra Roseta, uma tábua de pedra que possuía inscritos em hieróglifos e grego e com isso entender o significado dos hieróglifos egípcios.

Naquele momento eu consegui pegar a chave para pronunciar e ler muitas palavras que estavam em Russo. Foi uma alegria passageira. A cidade de Vrbas, com pronúncia Vêrbas ficava a 55Km de distância. Para quem já havia pedalado 60, era um bom chão. Ainda corríamos o risco de chegar lá e não ter mais trem naquele dia, ou não aceitarem bikes.

Liguei para o Ferreira e expliquei onde estávamos. Em 15 minutos ele chegou. Havia ido em 4 bancos para trocar dinheiro. Na saída da cidade propus almoçarmos num restaurante. Eram 14:30. O restaurante foi uma indicação do rapaz que nos deu a dica de Vrbas.

O serviço foi demorado e saímos as 15:30. Calculei que se as condições continuassem iguais, chegaríamos as 18:30 em Vrbas.


O nosso grupo estava pouco coeso. Cada um foi no seu ritmo. O Renato se empolgou com o vento a favor e disparou. Eu estava num ritmo forte e ele aumentava o ritmo. Pensei comigo, isso não vai ajudar o joelho dele, mas ele deve saber como está a situação. Resolvi diminuir o ritmo e ficar nos 25Km/h.

Com alguma facilidade se chegava a 33Km/h em alguns trechos. Fizemos uma parada num pequena cidade e combinamos para numa que ficava uns 15 Km adiante, chamada Kula.

Perguntei ao Renato, você quer parar para tomar água onde? Quer tomar em Crevenka ou tomar em Kula? Como ele preferiu a segunda opção partimos para mais um trecho rápido. Eu fiquei para trás num ritmo só meu. Aquela tarde parecia que eu estava pedalando sozinho novamente.

Mas tudo é compreensível. Em grupo não dá para estar em sintonia o tempo inteiro. Quando estávamos chegando perto de Vrbas o Renato me esperava perto da entrada da cidade. O Ferreira mais uma vez havia sumido.
Num momento qualquer aparece o Ferreira irritado perguntando porque não tinhámos parado na rodoviária. Ele tinha descoberto um ônibus que ia para Novi Sad e que levaria as bikes. Mas que o mesmo já tinha saído.

Eu não o tinha visto e o Renato achou que ele parou para comprar água. Bem, o clima continuava daquele jeito.

Conseguimos descobrir onde ficava a estação. Entramos pela plataforma e olhando para algumas portas resolvi entrar em uma delas. Era uma sala de controle da estação e três homens conversavam sentados. Dois à minha frente, e um na minha direita.

Um homem de cabelos grisalhos e de uniforme olhou para mim e disse : TOUR DE FRANCE! Numa alusão à corrida de bicicletas que estava acontecendo na França.

Demos risada e eu perguntei: Deutch? English? Nada de afirmativo. Falei o nome de Novi Sad indiquei hoje e falei bicicleta que tem uma pronuncia parecida com a que eles usam aqui.

O homem a minha direita arriscava algumas palavras em alemão. E me levou para o guiche. No guiche falei o que queria e a mulher não entendeu nada. Ai veio o senhor grisalho que parecia ser o chefe da estação. Ele falou com a mulher que entendeu que queríamos ir para Novi Sad. Nesse meio tempo descobrimos que existia um festival de 3 dias chamado Exit na cidade e que estava tudo lotado.

Resolvemos então ir para Belgrado. Não podíamos arriscar chegar lá e dormir na rua.. A mulher disse que não podia levar bicicleta. Aí sim, eu fiquei preocupado. Mas ao mesmo tempo percebi que o chefe estava liberando as bikes. Ele falava com alguém ao telefone e me passou o telefone para que eu falasse com a pessoa.

Um joven do outro lado falava em inglês. Disse que era filho do senhor e que ele havia liberado a entrada das bicicletas, que falaria com o condutor do trem e que eu seguisse suas intruções. Pagamos 7 euros por passagem que nos levariam até belgrado, 130Km de distância.

Parecia uma luz no fim do túnel. Fomos para a estação esperar o trem que chegaria em 15 minutos. Fomos muito ajudados nesse dia. Acho que o senhor gostava de bicicletas, pois foi muito amigo.

O trem chegou em meia hora. Nesse meio tempo a estação virou cenário para muitos personagens. Enquanto converámos, os três, eu observava algumas pessoas. Como num mosaico onde várias cenas aconteciam ao mesmo tempo.

Na varanda da estação algumas pessoas aguardavam o trem. O sol estava baixo, mas forte. Não havia muito como fugir dele, mesmo sob a varanda. Um senhor de boné francês aguardava quietinho, com serenidade, olhando de vez em quando para algum movimento de um grupo de pessoas á sua direita

**** senhor

Á sua frente uma jovem manifestava gestos de impaciência. O grupo de pessoas que o senhor olhava era uma família. Duas netas, avó e pais. As meninas corriam em volta da avó, abraçavam os pais e gritavam vez ou outra.




Uns dez metros adiante uma senhora muito idosa, de cabelos desarrumados ficava perto da beira dos trilhos, que eram no mesmo nível da plataforma, rente ao chão. Ela parecia meio estranha. Conversou com um homem que passou e quando olhei novamente ela não estava mais lá.

Da sala de controle saíram o chefe e um outro homem com jeito e cara de Bruce Willys enfezado. Na mão carregava um cacetete de 1 metro de comprimento. Passou por nós em direção aos vagões de um trem parado do outro lado da estação.

Olhando bem para ele, resolvi mudá-lo de filme. Ficava muito melhor como um dos capangas dos vilões dos filmes do 007.

Ele desapareceu atrás dos vagões. Nisso ouve-se um anuncio de um trem chegando. Pegámos nossas bicicletas e as colocamos perto do trem. O chefe olhou para nós e disse que não era aquele. Em 2 minuto trouxe o celular para mim e seu filho disse que passariam alguns trens antes do nosso e que seu pai nos avisaria. Agradeci e pedi para ele dizer ao seu pai que ele estava sendo um grande amigo.

O trem partiu. A calma voltou à estação, por pouco tempo. De traz dos vagões vejo a velha sair e alguns metros atrás dela vem o capanga do vilão do 007 com o cacetete na mão dando uma bronca na velha.




A moça impaciente encontrava-se com uma amiga que acabara de chegar e o senhor, ah, ele continuava quietinho esperando o trem.

Mais algumas pessoas chegaram à estaçao e um novo anuncio de trem era soado pelos alto-falantes. Pensei comigo, puxa, precisava dar algo para o chefe da estação, mas eu não tinha nada comigo. Falei com os meninos e o Ferreira lembrou-se de uma bandana com a bandeira do Brasil. Legal, vamos dar isso a ele.

O Ferreira o chamou e entregou a bandeira. O homem ficou muito contente. Apertou nossa mão com firmeza e nos conduziu a porta do trem. Era um trem enorme vindo de Paris para Belgrado, Um exemplo moderno do Expresso do Oriente.

O trem não tinha espaço para bicicletas. Ele tinha cabines para seis pessoas, carro leito, carro restaurante mas não espaço para bicicletas. Tivemos que suvir as bikes rapidamente e colocamos a minha e a do Ferreira em pé no espaço que ficava entre a porta que separava os vagões e o banheiro. O espaço era mínimo. O Renato entrou no outro vagão. Estávamos a 3 metros de distância. O trem estava lotadíssimo com jovens indo para o festival de Novi Sad. A maioria nos corredores. O cobrador passou e disse que em Novi Sad teríamos local para sentar. Ficamos ali no corredor pos uns 45 minutos. Em Novi Sad o trem esvaziou.

Amarramos as duas bicicletas e eu fui para a primeira cabine onde haviam mais de 20 garrafas de vinho, cerveja, caixas de cigarro, uma verdadeira imundice. Amontoei as garrafas num canto e fiquei por ali. O Ferreira e Renato ficaram conversando por algum tempo e depois vieram para essa cabine. Perguntamos quando o trem chegaria em Belgrado e o cobrador disse que por volta das 21:10.

Quando foi 21:00 passou outro cobrador dizendo alguma coisa sobre Belgrado. A maioria das pessoas começou a se arrumar para descer. Uns 15 minutos depois o trem parou. O Ferreira desceu e começamos a baixar as bikes. A minha e a dele já estavam em baixo quando o cobrador, também no chão da estação fazia sinal para voltarmos para o trem. O Renato começava a baixar sua bike. Percebi que estávamos em Nova Belgrado. Deu desespero geral. Foi um tal de empuirra, ajeita, puxa para colocar as bikes de volta. Mas deu tempo.

O stress desse dia parecia não acabar. Belgrado é muito grande. Se chegássemos de bicicleta teríamos problemas para chegarmos aos locais. Mais dez minutos e paramos na estação central. Ali outro trem se preparava para partir com as pessoas arrumando suas coisas dentro das melancólicas cabine leito. Apertadas e com uma luz muito fraca iluminavam um formigueiro humano que buscava seu espaço para enfrentar a longa viagem que o trem deveria fazer.

Passa por nós um casal com um enorme Doberman. O cachorro fez xixi num poste, mas que novidade né, e bebeu água de uma fonte que havia mais adiante. Chegamos no saguão principal. A estação era bem antiga e mal cuidada.

Agora tinhamos que achar um hotel. A região de uma estação ferroviária não muda muito entre os países, normalmente é feia, escura e perigosa durante a noite. Tinha um hotel a menos de 200 metros da estação, mas não queríamos ficar ali. Optamos por achar outro que ficava a um Km daquele local.

Passamos por um prédio neoclássico iluminado com muitas cores e entramos numa grande avenida. Passamos em frente algumas embaixadas. Parei para perguntar numa lanchonete sobre algum hotel por ali. A moça me deu algumas indicações e com mais um outro pedido de explicação para um casal que passava conseguimos achar um hotel.

Nossa, nem podia acreditar. O hotel era bom, mas os atendentes meio toscos. Gastamos algum tempo negociando o preço de dois quartos. Negócio fechado perguntei onde poderíamos deixar as bikes. Ele pediu para acompanhá-lo e me mostrou um local do lado de fora do hotel, no estacionamento onde poderíamos deixar as bikes, ao ar livre e de frente para a rua.

Virei para ele e disse. Isso não vai ser possível. Essas bikes não custam pouco. Eu sei disse ele, mas temos câmeras de vídeo. Olha, mesmo com cameras de vídeo as bikes não podem ficar aí. Já tive uma bike roubada dentro de um hotel faz duas semanas. Com alguma relutância e má vontade ele abriu uma sala e disse que poderíamos deixá-las lá.

Era 22:30. Finalmente nosso dia chegava ao fim. Foi o mais longo dos dias dessa viagem, o mais tenso e cheio de contratempos, mas que da melhor forma, puderam ser superados.

A batalha por Belgrado fora vencida.