Voltei ao hotel para continuar a escrever. Reli o texto e achei que precisava falar muito mais, mas ao mesmo tempo acho que agora eu seria muito mais descritivo do que emocional. Portanto, resolvi manter apenas aquele texto inicial que abaixo transcrevo. No livro que publicarei sobre a viagem, lá sim vou detalhar muito do que ficou fora do blog. Acabei a viagem alguns dias antes do planejado, pelo menos quatro dias. Nos dias que me separam da minha volta ao Brasil, dia 1 de agosto, resolvi explorar o interior da tuquia, agora sem bike. É da Capadócia que escrevo essa introdução
Para quem acompanhou a viagem, espero que que os relatos tenham sido interessantes e possam ter motivado alguém a não deixar de perseguir seus sonhos. Aos amigos e empresas que me apoiaram meus sinceros agradecimentos. Aqui vai meu relato final.
Concretizar essa viagem foi a realização de um sonho. Um sonho é sonho até o momento no qual você decide torná-lo realidade Nesse momento ele vira um projeto e como tal precisa ser tratado para ser bem sucedido.
Eu sou um homem prático e objetivo, principalmente para tomar decisões. Contudo em alguns momentos, a lógica e a razão precisam ser combinadas ou deixadas de lado em favor da intuição.
Essa viagem teve tudo para não dar certo, muito antes de começar. Em vários momentos os fatos à minha frente apontavam para a decisão de abortar o projeto. Mas nesses vários momentos, eu deixei algo interior vencer a lógica. Eu sentia que tinha que continuar.
Durante a viagem, tive alguns momentos semelhantes. O dia que colidi com um carro e quebrei o nariz foi um deles. Eu sabia que aquilo não deveria parar a minha viagem se fisicamente eu pudesse continuar.
No dia seguinte, ainda com o nariz sangrando, tive a bicicleta roubada. Minha lógica dizia que era uma combinação de fatores altamente desfavoráveis. Porém, outra vez eu sentia que ainda não era momento de desistir. Com uma bicicleta nova continuei a pedalada.
Em Çorlu eu estava relutante quanto ao que fazer nos últimos quilômetros da viagem. Pedalar na Turquia estava sendo muito estressante. Parece que ao cruzar a Fronteira da Bulgária e entrar em território turco as leis de trânsito acabaram.
O desrespeito ao ciclista foi total. Carros e caminhões disputando espaço com uma bicicleta e fazendo questão de dizer quem era o mais forte. Eu sabia que meu anjo da guarda já estava com muitas horas extras no último mês e que aqui na Turquia a coisa seria pior.
Levantei as opções de estrada para Istambul e todas mostravam o mesmo cenário aterrador com o agravante de que a cidade era enorme e a grande Istambul se prolongava por mais de 30 Km. Juntei a razão com a intuição. Hoje as duas estavam de mãos dadas. Coloquei meus pés no chão da cidade no mesmo lugar onde o inspetor Hercules Poirot pisou para embarcar no Expresso do Oriente com destino à Paris. Nossas histórias se cruzaram na mesma plataforma da estação de trem de Istambul.
Daqui ele partiu sem saber que iria desvendar um misterioso crime que aconteceria à bordo do trem. Eu parti de Paris sem saber que desvendaria muitos mistérios. Em um tempo onde a solução de um crime dependia da astúcia e perspicácia do investigador, Poirot fez das palavras suas aliadas para solucionar o assassinato. Conversou com suspeitos, testemunhas e analisou os fatos que dispunha. Eu não tinha um mistério aparente para resolver, mas através das palavras fui desvendando um pouco da alma humana ao longo do caminho.
Viajei por séculos e milênios de história. Vi impérios surgirem e caírem a minha frente. Esqueletos de civilizações deitados ao longo da estrada. Suntuosos palácios, pobres choupanas, por todos passei. Suas paredes ainda erguidas despertam as histórias de quem as ergueu. .
Passei por muitos países, França, Alemanha, Áustria, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Servia, Bulgária e Turquia e descobri muitos mais dentro das fronteiras que foram desenhadas no papel. Fronteiras que separaram famílias, fronteiras invisíveis que dividem o que hoje se vê como um país.
Ah, como o ser o humano é complexo. Em quase todo o percurso descobri uma contida manifestação de desamor entre os povos. Ninguém confessa, mas aos poucos os rancores aparecem. A Alsácia, na França já foi Alemanha. Nem é preciso dizer, os nomes das cidades são alemães. Ali quem já foi alemão um dia hoje tem que ser francês, que por sua vez faz nariz para os que na França não nasceram. Na cidade alemã sou avisado pela senhora para ter cuidado com os Eslovacos. Na Sérvia, minha nossa.
É só lembrar da , Bósnia, Montenegro, Kozovo e os horrores do genocídio da década passada. Antes de sair da Hungria me avisam para tomar cuidado com os Búlgaros. Na Bulgária, parecem não suportar os turcos que invadem suas estradas para chegar ao seu país. O Turco por sua vez lembra que o seu país é formado por turcos e curdos e que se deve tomar cuidado com estes últimos. Com tanto rancor no ar só consegui ver o lado bom das pessoas.
Quanto mais me precaviam sobre algum lugar, mais ele se tornava amigável. Com poucas exceções, só recebi sorrisos e ajuda por onde passei. Conhecer as peculiaridades de cada povo e cultura foi o maior presente que tive dessa viagem. Presente que me motiva a realizar outras viagens.
Terminar essa viagem e olhar para as duas mochilas que carreguei durante quartenta dias me traz o mesmo sentimento que tive quando terminei o caminho de Santiago. A vida é muito mais simples e gostosa quando você não se preocupa com o material. Vivi quarenta dias com apenas o conteúdo daquelas mochilas, e como vivi bem.
sábado, 26 de julho de 2008
Dia 38 - Istambul
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