sábado, 26 de julho de 2008

Dia 38 - Istambul



Voltei ao hotel para continuar a escrever. Reli o texto e achei que precisava falar muito mais, mas ao mesmo tempo acho que agora eu seria muito mais descritivo do que emocional. Portanto, resolvi manter apenas aquele texto inicial que abaixo transcrevo. No livro que publicarei sobre a viagem, lá sim vou detalhar muito do que ficou fora do blog. Acabei a viagem alguns dias antes do planejado, pelo menos quatro dias. Nos dias que me separam da minha volta ao Brasil, dia 1 de agosto, resolvi explorar o interior da tuquia, agora sem bike. É da Capadócia que escrevo essa introdução


Para quem acompanhou a viagem, espero que que os relatos tenham sido interessantes e possam ter motivado alguém a não deixar de perseguir seus sonhos. Aos amigos e empresas que me apoiaram meus sinceros agradecimentos. Aqui vai meu relato final.


Concretizar essa viagem foi a realização de um sonho. Um sonho é sonho até o momento no qual você decide torná-lo realidade Nesse momento ele vira um projeto e como tal precisa ser tratado para ser bem sucedido.

Eu sou um homem prático e objetivo, principalmente para tomar decisões. Contudo em alguns momentos, a lógica e a razão precisam ser combinadas ou deixadas de lado em favor da intuição.


Essa viagem teve tudo para não dar certo, muito antes de começar. Em vários momentos os fatos à minha frente apontavam para a decisão de abortar o projeto. Mas nesses vários momentos, eu deixei algo interior vencer a lógica. Eu sentia que tinha que continuar.

Durante a viagem, tive alguns momentos semelhantes. O dia que colidi com um carro e quebrei o nariz foi um deles. Eu sabia que aquilo não deveria parar a minha viagem se fisicamente eu pudesse continuar.

No dia seguinte, ainda com o nariz sangrando, tive a bicicleta roubada. Minha lógica dizia que era uma combinação de fatores altamente desfavoráveis. Porém, outra vez eu sentia que ainda não era momento de desistir. Com uma bicicleta nova continuei a pedalada.

Em Çorlu eu estava relutante quanto ao que fazer nos últimos quilômetros da viagem. Pedalar na Turquia estava sendo muito estressante. Parece que ao cruzar a Fronteira da Bulgária e entrar em território turco as leis de trânsito acabaram.

O desrespeito ao ciclista foi total. Carros e caminhões disputando espaço com uma bicicleta e fazendo questão de dizer quem era o mais forte. Eu sabia que meu anjo da guarda já estava com muitas horas extras no último mês e que aqui na Turquia a coisa seria pior.


Levantei as opções de estrada para Istambul e todas mostravam o mesmo cenário aterrador com o agravante de que a cidade era enorme e a grande Istambul se prolongava por mais de 30 Km. Juntei a razão com a intuição. Hoje as duas estavam de mãos dadas. Coloquei meus pés no chão da cidade no mesmo lugar onde o inspetor Hercules Poirot pisou para embarcar no Expresso do Oriente com destino à Paris. Nossas histórias se cruzaram na mesma plataforma da estação de trem de Istambul.



Daqui ele partiu sem saber que iria desvendar um misterioso crime que aconteceria à bordo do trem. Eu parti de Paris sem saber que desvendaria muitos mistérios. Em um tempo onde a solução de um crime dependia da astúcia e perspicácia do investigador, Poirot fez das palavras suas aliadas para solucionar o assassinato. Conversou com suspeitos, testemunhas e analisou os fatos que dispunha. Eu não tinha um mistério aparente para resolver, mas através das palavras fui desvendando um pouco da alma humana ao longo do caminho.


Viajei por séculos e milênios de história. Vi impérios surgirem e caírem a minha frente. Esqueletos de civilizações deitados ao longo da estrada. Suntuosos palácios, pobres choupanas, por todos passei. Suas paredes ainda erguidas despertam as histórias de quem as ergueu. .

Passei por muitos países, França, Alemanha, Áustria, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Servia, Bulgária e Turquia e descobri muitos mais dentro das fronteiras que foram desenhadas no papel. Fronteiras que separaram famílias, fronteiras invisíveis que dividem o que hoje se vê como um país.



Ah, como o ser o humano é complexo. Em quase todo o percurso descobri uma contida manifestação de desamor entre os povos. Ninguém confessa, mas aos poucos os rancores aparecem. A Alsácia, na França já foi Alemanha. Nem é preciso dizer, os nomes das cidades são alemães. Ali quem já foi alemão um dia hoje tem que ser francês, que por sua vez faz nariz para os que na França não nasceram. Na cidade alemã sou avisado pela senhora para ter cuidado com os Eslovacos. Na Sérvia, minha nossa.

É só lembrar da , Bósnia, Montenegro, Kozovo e os horrores do genocídio da década passada. Antes de sair da Hungria me avisam para tomar cuidado com os Búlgaros. Na Bulgária, parecem não suportar os turcos que invadem suas estradas para chegar ao seu país. O Turco por sua vez lembra que o seu país é formado por turcos e curdos e que se deve tomar cuidado com estes últimos. Com tanto rancor no ar só consegui ver o lado bom das pessoas.

Quanto mais me precaviam sobre algum lugar, mais ele se tornava amigável. Com poucas exceções, só recebi sorrisos e ajuda por onde passei. Conhecer as peculiaridades de cada povo e cultura foi o maior presente que tive dessa viagem. Presente que me motiva a realizar outras viagens.

Terminar essa viagem e olhar para as duas mochilas que carreguei durante quartenta dias me traz o mesmo sentimento que tive quando terminei o caminho de Santiago. A vida é muito mais simples e gostosa quando você não se preocupa com o material. Vivi quarenta dias com apenas o conteúdo daquelas mochilas, e como vivi bem.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Dia 37 - Çorlu - Istambul - Inicial

 Istambul, 3121 Km e 37 dias depois de ter deixado Paris aparece à minha frente. Escrever essas linhas não está sendo fácil, pois hoje sou uma combinação de emoções e sensações. Nesse primeiro momento quero apenas compartilhar algumas fotos tiradas em frente a igreja de Santa Sofia e a visão do quarto do Novotel onde estou hospedado para o Mar de Mármara.


Acho que vocês estão vendo um homem realizado nessas imagens. Em breve atualizo com detalhes a chegada à Istambul


segunda-feira, 21 de julho de 2008

Dia 36 - Edirne - Çorlu

Nada melhor do que vários banhos frios para refrescar um corpo cansado. Depois de estudar meus mapas, conversar com algumas pessoas e ver as condições do tempo, resolvi mudar meus planos.
 
Ao invés de ir para Luleburgaz, meu destino previsto, que ficava a 80 Km estiquei a pedalada até Çorlu, 130 Km distante de Edirne. Com isso, vou economizar um dia de viagem. Ao invés de dormir em Silivri meu destino do dia segunte e que fica a 75 Km de Istambul, vou sair mais cedo e pedalar uns 100 Km para chegar em istambul amanhã.
 
Acostumado a pedalar quase o dia todo, sob sol forte nos últimos quinze dias eu estranho quando paro em alguma cidade e caminho. A temperatura parece ficar maior pois não existe o vento da velocidade da bicicleta. A sensação térmica sempre é maior.
 
Pedalar na Turquia me lembra pedalar no trânsito do Brasil. Ninguem te respeita, todo mundo buzina, os carros e caminhões disputam o espaço com voce; Essa sensação de `estar em casa` é muito ruim. A pedalada fica muito tensa.
 
As fotos são da Mesquita de Edirne, do Bazar e do meu almoço de ontem.

Dia 35 - Haskovo - Edirne (Turquia)

 
Hoje o dia foi extremamente cansativo. O percurso foi mais longo do que eu previra 92 Km., Foram 102 Km. Minha chegada foi por volta das 16 horas. A partir das onze da manha a temperatura ficou entre 38 e 42 graus o tempo inteiro. 
 




Depois de pedalar uns 50 Km, Peguei uma longa subida. Parei no topo para tomar água quando vejo se aproximar de mim um cachorrinho preto. Ele era novo, não devia ter mais do que um ano. Veio assustado mas com o rabo abanando. com aquele calor imaginei que estivesse com sede. achei um copo descartável jogado ao lado da estrada. Desamassei-o e enchi de água. ele veio devagarinho e tomou toda a água, me olhando como se quisesse dizer, `não tem mais?`. Enchi novamente, mais duas vezes. Resolvi dar toda minha água para ele pois eu não demoraria para chegar na próxima cidade. Verifiquei que eu tinha uma barrinha de cereal e passei para o bichinho. Pena que não tinha mais nada. mas vi que ele havia saciado sua sede.

Se a minha garupa fosse maior, ele certamente iria acabar em istambul comigo. Sai pedalando feliz.




Quando vi a placa de 3 Km para a Turquia fiquei eufórico.



Atravessar a fronteira foi demorado. Passei por cinco postos. O sol cozinhava o corpo e eu não ficava na fila dos carros. Ia ate o guiche e perguntava se podia passar ou apresentar o passaport. Em três dos postos olharam o passaporte e me mandaram passar direto.

Acabei tendo problemas na fronteira turca por incompetência  de alguns fiscais que não carimbaram meu passaporte num dos quatro pontos de passagem.

No último posto disseram que eu tinha que ter um carimbo. Voltei ao quarto posto e disseram que ali era só para o regsitro de carros. O homem olhava o meu passaporte de cabo a rabo várias vezes mas sem saber o que fazer. Peguei o passaporte da mão dele e fui para outra pessoa, que voltou a falar com ele que por sua vez falou para eu ir no escritório.

Como eu percebi que ele não entendia nada do que estava falando, fui falar com outra pessoa, que finalmente disse que eu tinha que voltar no terceiro posto para ter o carimbo da imigração. Com esse carimbo eu devia voltar ali para ter um segundo carimbo e tudo estaria resolvido.

Voltei no terceiro posto e o guarda relutou em carimbar. Como fiquei parado como uma estátua olhando para a cara dele, imovel. Ele acabou digitando alguma coisa no computador e carimbando o passaporte. Voltei ao quarto posto, peguei outro carimbo e fui ao quinto posto. Lá olharam para a bicicleta, para os carimbos e me mandaram passar.

Com a temperartura alta eu penei para fazer os 15 últimos qulilometros. Edirne me surpreendeu pela beleza de suas mesquitas e praçãs.

Encontrei a maior flor do mundo, a qual eu daria para uma pessoa muito especial.






Esse é o hotel onde estou, meu quarto é a janela da direita no primeiro andar.

 
 



 
Eu não previa ficar aqui dois dias, mas acho que ficarei mais um. se eu pegar esse sol novamente amanhã, não vai ser fácil.  Já coloquei algumas fotos e videos aqui e mais tarde detalho melhor o dia.
 

sábado, 19 de julho de 2008

Dia 34 - Plovdiv - Haskovo

 



Para mim essa viagem teve três fases distintas. A primeira foi de Paris até Viena onde encontre o Renato e Ferreira. A segunda foram os quinze dias que pedalei com eles. Agora, na terceira e última fase volto a pedalar solitário, mas nunca me sinto sozinho.


Mas a pedalada mudou. Voltei a ficar mais tempo na bike, parar menos. Talvez porque o cenário seja quase sempre o mesmo, campos e campos de plantação, um pouco mais de aridez, e a ansiedade escondida de chegar à Istambul.O odômetro mostra 2787 Km. Mais 400 e lá estarei.


Passei pelos meus amigos girassois que estiveram sorrrindo para mim o tempo inteiro. Hoje estavam tristes, cabisbaixos. Eles já sabem que estou indo embora. Não os verei mais, mas eles sempre estarão em meus pensamentos quando eu voltar à essa viagem em meus pensamentos.





A estrada era a mesma que cheguei a Hasckovo, pista simples sem aconstamento. Como existe uma autoestrada próxima, o movimento não era dos maiores. A monotonia das retas era quebrada vez ou outra por uma pequena vila, com seus vendedores de frutas e legumes.







O mais surpreendente foi ver um avião de guerra, um caça, estacionado ao lado de um posto de gasolina. Foi a coisa mais insólita do percurso. Não havia placas, nada. Apenas o caça parado de forma definitiva ao lado da estrada.






Depois desse inusitado encontro, a monotonia começou a ser quebrada com cartazes (outdoors) motivacionais.


Aqui, parece que tudo que anunciam nas estradas precisa estar acompanhado de uma bela mulher. Pias de banheiro, aquecedores, e sei lá mais o que apareciam ao lado de pouca roupa e muitas curvas.


Confesso que depois de algum tempo e já estava ate com pensamentos pecaminosos, motivados pela força da publicidade, é claro. Cada cartaz que eu avistava de longe, queria saber quem estaria protagonizando o anuncio.











Na entrada de Haskovo o cartaz motivacional foi apropriado, para me afastar do pecado. Era a Virgem Maria e o menino Jesus rodeados de passaros dando boas-vindas a quem chegava.






A punição divina veio na mesma moeda da tentação. Os próximos cartazes me perseguiram com a gata da foto seguinte.




A cidade ficava afastada uns 3 Km da estrada. Como vi que era um pouco grande liguei o gps para achar o hotel. Quando cheguei me surpreendi com um super hotel, novo e estiloso. Uma enorme piscina adornava a vista do meu quarto. Não acreditei que um hotel daqueles custava apenas 54 euros, preço que paguei por algumas espeluncas no meio do caminho.





Como cheguei cedo, por volta das 13:30, descansei até as 15:30. Depois fui consertar novamente um dos alforges visto que minha ultima tentativa não tinha resultado bem. Agora acho que ele está arrumado. Era um rasgo motivado na batida que dei quando quebrei o nariz, que por sinal vai muito bem.


Amanha tenho 95 Km pela frente para chegar a Edirne, minha primeira noite na Turquia.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Dia 33 Sofia - Plovdiv

Fiquei acordado até a 1:30 da manha. O sono não vinha e acabei ficando atualizando o blog. Coloquei um vídeo no blog do dia 28 Nis – Pirot que mostra a passagem por alguns túneis curtos.


Hoje foi um dia de despedida. Renato e Ferreira começam sua volta para o Brasil. Ao meio dia pegam um vôo para Frankfurt e amanhã um vôo para o Brasil. Optaram por um vôo para Salvador com a companhia aérea Condor. De lá pegam um vôo para São Paulo.


As nove da manhã nos despedimos, Eles foram para o escritório da empresa onde as bikes estavam e de lá seriam levados ao aeroporto. As 9:30 o Stefan me apanhou e me levou com a bike para a estação ferroviária. Fui até a cidade de Kostenec e de lá pedalei até Plovdiv. Os dez primeiros quilometros foram feitos ao lado da ferrovia, num vale estreito. Passando por Belovo uma planice se abril afastando as montanhas e deixando apenas a vista delas á minha direita..


O dia estava quente e com pouco vento. A vegentação por aqui começa a mudar. Me parece um pouco mais árido e o verde já não tem tanta força. Pazardzik foi a próxima cidade que cruzei, com várias industrias. De lá para Plovdiv uns 30 Km de uma monótona reta foram palcos para muitas reflexões, viagens dentro da viagem.


A chegada em Plovdiv foi por volta das 5 da tarde. Eu nada saia sobre a cidade, mas confesso que fiquei encantado com ela. Quanta história ela já viveu.


É uma das cidades mais antigas do mundo. Seu nome mudou várias vezes. Foi Evmolpia na época dos Trácios (480 A.C), Já foi Philipopólis (342 A.C.), Trimontium para os Romanos por volta do ano 72 e Filibe para os Turcos entre 1364 e 1878.


A cidade antiga guarda as maiores atrações de Plovdiv. Mesquitas do período Otomano, um Estádio Romano debaixo do centro da cidade, que tinha dimensões para receber 30 mil pessoas pode ser visto parcialmente na principal rua de pedestres da cidade.


Talvez o maior tesouro seja o anfiteatro romano descoberto nos anos 80. Esse teatro tem espaço para 7 mil pessoas. Eu ficaria por aqui mais algum tempo para explorar toda a cidade. Essa parte antiga da cidade me lembrou muito uma área de Atenas chamada Plaka. Ruas de pedra e uma arquitetura comum à ateniense eu encontrei em vários lugares.


Essas imagens me levaram de volta à Atenas, cidade que foi um marco na minha vida. Foi na minha primeira viagem à Atenas em 1996 que comecei uma grande mudança pessoal. Dexei de ser um homem da área de Exatas e comecei uma migração para a área de Humanas.


História e geografia eu sempre gostei. Mas aquela visita foi muito mais do que um passeio. Pisar na mesma pedra que Platão discursava na Ágora ateniense, tocar no mármore do Partenon, Olhar para o estreito de Salamina e relembrar da batalha naval que mudou a guerra contra os Persas e tantas outras experiências que me tranportaram por milhares anos de história mexeram comigo.


Comprei um livro de mitologia grega que devorei no vôo de volta ao Brasil.A partir dali comecei a devorar livros de mitologia e a partir dela me aproximar da área de humanas através das artes e da influência da mitologia no mundo e nas diversas áreas do conhecimento humano. O resultado disso foram os cinco livros de mitologia para crianças que escrevi entre 1999 e 2000, além de um outro livro, para adultos, que ainda não publiquei. Acho que me empolguei com as memórias de Atenas.


Mas na verdade, elas são importantes, pois hoje eu estou pedalando nessa viagem como uma consequência da minha decisão de mudar a vida que tinha. E tudo começou em Atenas.